“Construamos diques de coragem para conter a correnteza do medo” (Martin Luther King)
Voltemos ao medo porque ele nunca nos deixou. Dentro de nossas casas, junto das nossas famílias, tentámos esquecê-lo, empurrando-o lá para fora (junto com os nossos sapatos). “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais forte e mais antigo de todos os medos é o medo do desconhecido” (H.P. Lovecraft). Este vírus é o nosso desconhecido – não o vemos, não sabemos onde está, não o controlamos. Tomou-nos um sentimento de impotência que nos tornou inseguros, hesitantes, receosos. Sem nos darmos conta, através de gestos, expressões faciais, interjeições, movimentos do corpo, demonstramos e transmitimos ao outro a ansiedade e o medo que nos invadiu.
As crianças são especialistas em captar e absorver sensações e emoções exprimidas não-verbalmente. Podemos repetir com convicção que “vai ficar tudo bem”, mas, se o nosso corpo hesita, a mensagem que passa é ambígua, promovendo insegurança e medo nas crianças. Só conseguiremos transmitir confiança e ajudar as crianças a ultrapassar os seus medos se aprendermos antes a assumir os nossos e a lidar com eles. “Todos os homens têm medo; quem não tem medo não é normal” (Jean Paul Sartre). O medo possui uma função adaptativa ao longo do desenvolvimento da espécie humana; alerta e protege de eventuais perigos. É uma resposta natural a um estímulo físico ou imaginado que representa uma ameaça ao nosso bem estar e/ou segurança. Esta resposta natural inclui aspectos cognitivos, emocionais, fisiológicos e comportamentais. Ao aprendermos a observá-los e analisá-los, encontraremos formas de os dominar. Como disse Nelson Mandela, “a coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas que conquista esse medo”.
Nas crianças os medos funcionam como tarefas de desenvolvimento; ao ultrapassá-los elas reforçam a sua autonomia e estrutura emocional. A maioria dos medos infantis estão relacionados com situações que a criança sente que não controla e vão variando com a idade. Entre os 2 e os 6 anos os medos mais comuns são o medo do escuro, o medo de monstros e de fantasmas, o medo de “ladrões” e de “maus” e o medo de perda/separação. Mais tarde, entre os 6 e os 11 anos, surgem os medos de catástrofes naturais, de guerras, de doenças e epidemias, bem como o medo da exposição (ex.: falar em público).
Devemos estar alerta para os sinais que as crianças nos dão:
- fazer chichi na cama;
- pesadelos;
- insónias;
- dor de barriga;
- ansiedade;
- irritabilidade;
- etc…
…pois elas nem sempre falam abertamente do que estão a sentir. Desvalorizar, minimizar ou ignorar a situação não ajuda a resolvê-la. Ao invés, empolá-la, torná-la o centro das conversas ou dramatizá-la vai dificultar a resolução do problema.
É fundamental ajudar as crianças a vencer e controlar o medo e, acima de tudo, a não ter medo de ter medo; ensinemos-lhes que a melhor maneira de o ultrapassar não é evitá-lo, mas sim enfrentá-lo, “não fazendo o que ele manda”; devemos desobedecer ao medo, contrariando-o. É importante proporcionar às crianças experiências de confronto com as situações geradoras de medo, ensinando-lhes “truques” que as façam sentir-se tranquilas (respirar fundo e pausadamente, descontrair os músculos fazendo exercícios de relaxamento, afugentar pensamentos “maus”, substituindo-os por outros agradáveis) e simultaneamente oferecer-lhes o nosso apoio físico (abraço, dar a mão, afagar a cabeça) e verbal (“estás a conseguir”, “estou aqui contigo para te ajudar”).
Cada vitória sobre o medo deve ser comemorada e valorizada. À medida que as crianças se tornam mais capazes e confiantes, deixemo-las lidar sozinhas, com autonomia e coragem, com os seus medos. Estaremos sempre por perto e vigilantes, mas não nos esqueçamos que a nossa função é dar as ferramentas. Ensinemo-las a pescar em vez de lhes dar o peixe.
Maria João Faria (psicóloga do CPBESA)