O ser humano é um animal de hábitos, mas ao mesmo tempo tem uma grande capacidade de adaptação. Ao longo das nossas vidas, muitas coisas “primeiro estranham-se e depois entranham-se”.
Há praticamente dois meses fomos confrontados com uma mudança abrupta dos nossos hábitos laborais, familiares e sociais. Passámos a estar mais tempo em casa, reduzindo ou, até, abolindo os nossos contactos sociais presenciais, apoiando-nos fortemente na tecnologia para continuar a trabalhar e/ou estudar. Se a princípio pensámos que ia ser impossível. Agora já achamos quase normal. É o nosso novo normal.
As nossas crianças habituaram-se a estar sempre connosco no conforto do lar. Também elas, desde as mais novas às mais crescidas, descobriram, ou redescobriram, todo o potencial das tecnologias, usando-as bastamente para ver, ouvir, conversar, “conviver”, “socializar” com quem está longe (professores, educadores, parentes, amigos, etc.) bem como para se distraírem, relaxarem e aprenderem.
Houve um esforço generalizado das estruturas educativas para fornecer material pedagógico e promover aulas à distância com os alunos; reinventou-se a telescola; os professores apelaram à capacidade dos alunos (e dos pais) para desenvolverem trabalho autónomo; forneceram-se computadores a quem não os tinha. A tentativa de alterar o menos possível ao nível da aprendizagem das crianças é louvável, mas difícil (quase impossível) de alcançar.
Aprender implica incorporar, assimilar, tornar nosso o conhecimento. É um processo activo, dinâmico e natural. Grande parte das nossas aprendizagens fazem-se quase sem darmos por elas: experimentando, repetindo, errando; observando, imitando, questionando os outros. Precisamos dos outros para aprender quase tudo. Os outros são o nosso modelo, o nosso desafio, o nosso contraponto, o nosso apoio, a nossa motivação. Aprender e ensinar é uma partilha constante, que enriquece mestre e discípulo e implica, para ser verdadeira, marcante e gratificante, um contacto de proximidade, de afecto e intimidade.
A escola, lugar de muitas aprendizagens, só faz sentido “ao vivo”. A palavra escola deriva de SCHOLÉ (grego) e SCHOLA (latim) e, em ambas as línguas, significa “discussão ou conferência”, mas também “folga e ócio”. Está subjacente a ideia de que as aprendizagens se fazem em conjunto e de forma agradável. O ser humano é um animal social que precisa dos outros para o seu desenvolvimento global e equilíbrio psíquico.
Há que ultrapassar os (legítimos) receios que sentimos. Devolvamos, o quanto antes, a escola e a vida às nossas crianças.
Maria João Faria (psicóloga do CPBESA)